domingo, 26 de dezembro de 2010

Só.

A praia vazia,
Um velho navio além mar,
A voz que dizia:
O mundo pertence a nós.

domingo, 12 de dezembro de 2010

Mãe, acorda, eu tô na TV,
Queria ter ido aí te ver.
Mas o carro quebrou no meio do caminho
Agora eu tô aqui sozinho
E a vida desandou
Enquanto não sei mais pra onde tô indo,
ela já chegou.
E, por Deus, todas  essas pessoas que continuam vindo!
Se eu te contar que há muito não vejo ninguém sorrindo,
O que você vai me dizer?

sábado, 23 de outubro de 2010

Cartas A Um Jovem Poeta - Décima Carta

Paris, dia seguinte ao Natal de 1908

   Deve imaginar, caro Sr. Kappus, como fique alegre em receber esta sua bela carta. As notícias que me dá, reais e concretas desta vez, parecem-me boas; sim, quanto mais as examino, tanto mais as acho efetivamente boas. Queria dizer-lhe isto pela véspera de Natal; mas, além do meu trabalho tão variado e contínuo êste inverno, a velha festa chegou tão depressa que mal me ficou tempo de tomar as medidas indispensáveis, e tive de reduzir minha correspondência.
   Mas pensei muito no senhor durante êsses dias de festa, imaginando como deve estar calmo lá na sua fortaleza solitária, no meio dos montes vazios, sôbre os quais se abatem os grandes ventos do Sul com tamanha fôrça como se os quisessem devorar.
   Imenso deve ser o silêncio em que há lugar para tais ruídos e movimentos. Pensando que a tudo isto se acrescenta ainda a presença do mar longínquo, talvez como o tom mais íntimo daquela sinfonia pré-histórica, não se pode senão desejar-lhe que, cheio de confiança e paciência, deixe trabalhar em seu aperfeiçoamento a grandiosa solidão que não mais poderá ser riscada de sua vida. Em tudo o que o senhor tiver de viver e fazer, ela agirá ininterrupta e silenciosamente como uma influência anônima, assim como o sangue dos antepassados se movimento em nós constantemente, misturando-se ao nosso e formando com êle a coisa única e irrepetível que somo em cada curva de nossa vida.
   Sim, alegro-me de que leve essa existência firme e concreta, com essa patente, êsse uniforme êsse serviço com tudo o que tem de tangível e limitado. Em tais ambientes, no meio de uma guarnição igualmente isolada e pouco numerosa, êle deve assumir um ar de grave necessidade. Acima do que a profissão militar tem de brincadeira e vadiação, êle deve significar uma aplicação vigilante que não só permite, como até educa a atenção independente. Encontrarmo-nos entre circunstâncias que operam em nós, que nos colocam, de vez em quando, diante das grandes coisas da natureza, eis tudo o que se faz mister.
   A arte também é apenas uma maneira de viver. A gente pode preparar-se para ela sem o saber, vivendo de qualquer forma. Em tudo o que é verdadeiro, está-se mais perto dela do que nas falsas profissões meio-artísticas. Estas, dando a ilusão de uma proximidade da arte, pràticamente negam e atacam a existência de qualquer arte. Assim o faz, mais ou menos, todo o jornalismo, quase tôda a crítica e três quartos daquilo que se chama e se quer chamar de literatura. Estou contente, numa palavra, de ver que o senhor resistiu à tentação de cair nelas e está vivendo no meio de uma áspera realidade, solitário e corajoso. Possa o ano que vem mantê-lo e confirmá-lo nela. Sempre seu

                                                                           Rainer Maria Rilke

Cartas A Um Jovem Poeta - Nona Carta

Furuborg, Jonsered, Suécia,
4 de novembro de 1904.

   Meu caro Sr. Kappus,

   Nesse período, que se passou sem uma carta, eu estava em parte viajando, em parte tão ocupado que não me foi possível escrever. Ainda hoje me é difícil fazê-lo, pois tive de escrever tantas cartas que já tenho as mãos cansadas. Se o pudesse ditar, dir-lhe-ia muita coisa; não o podendo, peço-lhe que aceita estas poucas palavras em resposta à sua longa carta.
   Penso freqüentemente no senhor e com tão concentrados votos que isso, finalmente, deveria ajudá-lo de uma maneira ou de outra. Duvido muitas vêzes que minhas cartas possam ser realmente um auxílio. Não me diga que o são. Aceite-as tranqüilamente, sem agradecimentos: deixe-nos aguardar o que vier.
   Talvez de nada sirva que eu analise uma por uma as suas palavras agora. O que poderia dizer acêrca de seu pendor para a dúvida ou de sua incapacidade de harmonizar a vida externa e a interna, ou tudo aquilo que o oprime ainda, seria sempre a repetição do que já disse: desejo que encontre bastante paciência em si para suportar e bastante simplicidade para crer; que confie cada vez mais no que é difícil, entre outras coisas na sua solidão. No restante, deixe a vida acontecer. Acredite-me: a vida tem razão em todos os casos.
   Quanto aos sentimentos: são puros todos aquêles que o senhor concentra e guarda; impuros os que agarram só um lado de seu ser e o deformam. Tudo o que pode pensar a respeito de sua infância é bom. Tudo o que o torna algo mais do que foi até agora em suas melhores horas é bom. Tôda intensificação é boa, quando está em todo  o seu sangue, quando não é turva ebriedade, mas alegria cujo fundo se vê. Compreende o que quero dizer?
   Sua dúvida pode tornar-se uma qualidade se o senhor a educar. Deve-se transformar em saber, em crítica. Cada vez que ela lhe quiser estragar uma coisa, pergunte-lhe por que aquilo é feio, Peça-lhe provas, examine-a; talvez a ache indecisa e embaraçada, talvez revoltada. Mas não ceda, exija argumentos. Ponha-se a agir assim, atenta e conseqüentemente, cada vez e dia virá em que, de destruidora, ela se tornará sua melhor colaboradora, talvez a mais sábia de quantas cooperam na construção de sua vida.
   Eis tudo o que lhe posso dizer hoje, caro Sr. Kappus. Mando-lhe, porém, ao mesmo tempo, uma separata com uma pequena poesia publicada agora no Deutsche Arbeit  de Praga. Aí continuo a falar-lhe da vida e da morte, a dizer-lhe que ambas são grandes e esplêndidas.

                                                                                                Seu
                                                                                  Rainer Maria Rilke

Cartas A Um Jovem Poeta - Oitava Carta

Mais complicada.
Bogerby Gard, Flãdie, Suécia,
12 de agôsto de 1904

   Quero outra vez conversar consigo um momento, caro Sr. Kappus, embora quase nada lhe possa dizer de prestimoso, de útil. O senhor teve muitas e grandes tristezas, que passaram, e me diz que até  a sua passagem foi difícil e desenganadora. Mas, por favor, reflita: essas grandes tristezas não terão passado, antes, pelo âmago de seu ser? Muita coisa não se terá mudado dentro de si? Algum recanto de seu ser não se terá modificado enquanto estava triste? Perigosas e más são apenas as tristezas que levamos por entre os homens para abafar a sua voz. Como as doenças tratadas superficialmente e à toa, elas apenas se escondem e, depois de leve pausa, irrompem muito mais terríveis. Juntam-se no fundo da alma e forma uma vida não vivida, repudiada, perdida, de que se pode até morrer. Se nos fôsse possivel ver além dos limites de nosso saber e um pouco além da obra de preparação de nossos pressentimentos, talvez suportássemos nossas tristezas com maior confiança que nossas alegrias. São, com efeito, êsses os momentos em que algo de novo entra em nós, algo de ignoto: nossos sentimentos emudecem com embaraçosa timidez, tudo em nós recua, levanta-se um silêncio e a novidade, que ninguém conhece, se ergue aí, calada, no meio.
   Parece-me que tôdas as nossas tristezas são momentos de tensão que consideramos paralisias porque já não ouvimos viver nossos sentimentos que se nos tornaram estranhos; porque estamos a sós com o estrangeiro que nos veio visitar; porque, num relance, todo o sentimento familiar e habitual nos abandonou; porque nos encontramos no meio de uma transição onde não podemos permanecer. Eis por que a tristeza também passa: a novidade em nós, o acréscimo, entrou em nosso coração, penetrou no seu mais íntimo recanto...Nem está mais lá. - já passou para o sangue. Não sabemos o que houve. Fàcilmente nos poderiam fazer crer que nada aconteceu; no entanto, ficamos transformado, como se transforma uma casa em que entra um hóspede. Não podemos dizer quem veio, talvez nunca o venhamos a saber, mas muitos sinais fazem crer que é o futuro que entra em nós dessa maneira para se transformar em nós mesmos muito antes de vir a acontecer. Por isso é tão importante estar só e atento quando se está triste. O momento, aparentemente anódino e imóvel, em que o nosso futuro entra em nós, está muito mais próximo da vida do que aquêle outro, sonoro e acidental, em que êle nos sobrevém como se chegasse de fora. Quanto mais estivermos silenciosos, pacientes e entregues à nossa mágoa, tanto mais profunda e imperturbável entra a novidade em nós, tanto melhor a conquistamos, tanto mais ela se tornará nosso destino e quando, num dia ulterior, vier a "acontecer" - isto é, quando sair de nós para se chegar a outros - senti-la-emos familiar e próxima. Deve ser assim. É preciso - e a nossa evolução, aos poucos, há de processar-se nesse sentido - que nada de estranho nos possa advir, senão o que nos pertence desde há muito. Já se modificaram muitas noções relativas ao movimento; há de se reconhecer, aos poucos, que aquilo a que chamamos do destino sai de dentro dos homens em vez de entrar nêles. Muitas pessoas não percebem o que dela saiu, porque não absorveram o seu destino enquanto o viviam, nem o transformaram em si mesmas. Afigurou-se-lhes tão estranho que, em seu confuso espanto, julgavam-no saído delas justamente naquele momento, e juravam nunca antes ter encontrado em si algo parecido. Como os homens durante muito tempo se iludiram acêrca do movimento do sol, assim se enganam ainda em relação ao movimento do que está para vir. O futuro está firme, caro Sr. Kappus, nós é que nos movimentamos no espaço infinito.
   Como pois, não seria difícil a nossa sorte?
   Falando novamente em solidão, torna-se cada vez mais evidente que ela não é, na realidade, uma coisa que nos seja possível tomar ou deixar. Somos nós. Podemos enganar-nos a êste respeito e agir como se não fôsse assim; nada mais. Mas quão melhor é admitir que se é só, e mesmo partir daí. Naturalmente, começaremos por sentir tonturas, pois todos os pontos em que costumávamos descansar os olhos nos são retirados, não há mais nada perto e os longes ficam todos infinitamente longes. Aquêle que, tirado de seu quarto, sem preparação nem transição, se visse transportado de chôfre para o cume de uma alta montanha, deveria sentir algo de semelhante: sentir-se-ia como que aniquilado por uma incerteza sem igual, pela impressão de estar entregue ao inominável. Julgaria estar caindo, arrastado pelos ares ou despedaçado. Seu cérebro deveria inventar alguma mentira enorme para alcançar e esclarecer o estado de seus sentidos. Dessa maneira é que se alteram, para quem se torna solitário, tôdas as distâncias, tôdas as medidas. Muitas dessas transformações se verificam repentinamente e, como no homem colocado no cume da montanha, produzem-se então imaginações insólitas e estranhas sensações cujas proporções parecem insuportáveis. Mas é preciso vivermos também isso. Temos que aceitar a nossa existência em tôda a plenitude possível; tudo, inclusive o inaudito, deve ficar possível dentro dela. No fundo, só essa coragem nos é exigida: a de sermos corajosos em face do estranho, do maravilhoso e do inexplicável que se nos pode defrontar. Por se terem os homens revelado covardes neste sentido, foi a vida prejudicada imensamente. As experiências a que se dá o nome de "aparecimentos" , todo o pretenso mundo "sobrenatural", a morte, tôdas essas coisas tão próximas de nós têm sido excluídas da vida, por uma defensiva cotidiana, que os sentidos com os quais as poderíamos aferrar se atrofiaram. Nem falo em Deus. Mas a ânsia em face do inesclarecível não empobreceu apenas a existência do indivíduo, como também as relações de homem para homem, que por assim foram retiradas do leito de um rio de possibilidades infindas para ficarem num êrmo lugar da praia, fora dos acontecimentos. Não é apenas a preguiça que faz as relações humanas se repetirem numa tão indizível monotonia em cada caso; é também o mêdo de algum acontecimento novo, incalculável, frente ao qual não nos sentimos bastante fortes. Sòmente quem está preparado para tudo, quem não exclui nada, nem mesmo o mais enigmático, poderá viver sua relação com outrem como algo de vivo e ir até o fundo de sua própria existência. Se imaginarmos a existência do indivíduo como um quarto mais ou menos amplo, veremos que a maioria não conhece senão um canto do seu quarto, um vão de janela, uma lista por onde passeiam o tempo todo, para assim possuir certa segurança. Entretanto, quão mais humana, aquela perigosa incerteza que faz os prisioneiros dos contos de Poe apalparem as formas de suas terríveis prisões e não desconhecerem os indizíveis horrores de sua moradia. Nós outros, aliás, não somos prisioneiros. Em redor de nós não há armadilhas e laços, nada que nos deva angustiar ou atormentar. Estamos colocados no meio da vida como no elemento que mais nos convém. Também, em conseqüência de uma adaptação milenar, tornamo-nos tão parecidos com ela que, graças a um feliz mimetismo, se permanecermos calados, quase não poderemos ser distinguidos de tudo o que nos rodeia. Não temos motivos de desconfiar de nosso mundo, pois êle não nos é hostil. Havendo nêle espantos, são os nossos; abismos, êles nos pertencem; perigos, devemos procurar amá-los. Se conseguirmos organizar a nossa vida segundo ao princípio que aconselha agarrarmo-nos sempre ao difícil o que nos parece muito estranho agora há de tornar-se o nosso bem mais familiar, mais fiel.Como esquecer os mitos antigos que se encontram no comêço de cada povo: os dos dragões que num momento supremo se transformaram em princesas? Talvez todos os dragões de nossa vida sejam princesas que aguardam apenas o momento de nos ver um dia belos e corajosos. Talvez todo o horror, em última análise, não passe de um desamparo que implora o nosso auxílio.
   Também não se deve assustar, caro Sr. Kappus, se uma tristeza se levantar na sua frente, tão grande como nunca viu; se uma inquietação lhe passar pelas mãos e por tôdas as ações como uma luz ou a sombra de uma nuvem. Deve pensar então que algo está acontecendo em si, que a vida não o esqueceu, que o segura e sua mão e não o deixará cair. Por que deseja excluir de sua vida tôda e qualquer inquietação, dor e melancolia, quando não sabe como tais circunstâncias trabalham em seu aperfeiçoamento? Para que perseguir-se a si mesmo com a pergunta: de onde pode vir tudo aquilo e para onde vai? Não sabia estar em transição? Desejava algo melhor do que transformar-se? Se algum ato seu fôr doentio, lembre-se de que a doença é o meio de que o organismo se serve para se libertar de um corpo estranho; é só ajudá-lo a ficar doente, ter tôda a sua doença e deixar a esta o seu curso. Em si, caro Sr. Kappus, está acontecendo tanta coisa. Deve ter a paciência de um doente e a confiança de um convalescente, pois talvez seja um e outro. Mais ainda: o senhor é também o médico que se deve vigiar a si mesmo. Em muitas doenças, porém, há dias em que o médico nada pode fazer senão esperar. É o que o senhor deve fazer agora, porquanto é seu próprio médico.
   Não se observe demais. Não tire conclusões demasiadamente apressadas do que lhe acontece; deixe as coisas acontecerem. Senão chegará fàcilmente a encarar com censuras (morais) o seu passado, que naturalmente é responsável em parte do que lhe ocorre agora. Mas o que, dos erros, dos desejos e das saudades de sua adolescência, está agindo em si, não é o que o senhor lembra e condena. As condições excepcionais de uma infância solitária e desamparada são tão difíceis e complexas, submetidas a tantas influências e, ao mesmo tempo, tão alheias a tôdas as conexões reais da vida que ali onde aparece um vício não se lhe deve dar simplesmente êsse nome. Em geral, deve-se ter muita precaução com os nomes. Tão freqüentemente uma vida naufraga no nome de um crime e não na própria ação, pessoal e sem nome, que talvez tenha sido uma necessidade inelutável dessa vida e tenha sido acolhida facilmente por ela! O consumo de fôrças se lhe apresenta tão grande apenas porque sobrestima a vitória. O "grandioso" não foi aquilo que o senhor pensa ter cumprido (embora seu sentimento tenha razão) - mas o fato de já ter existido algo que o senhor pôde colocar em lugar daquele engano, algo de real e verdadeiro. Sem isto, o seu triunfo também teria sido apenas uma reação moral, sem significação ampla; com êle, tornou-se uma seção de sua vida. De sua vida, caro Sr. Kappus, na qual penso com tantos bons votos. Lembra-se como esta vida, desde a infância, aspirava aos "grandes". Vejo-a abandonar agora o grande para chegar aos maiores. Eis por que não cessa de ser difícil, mas tão pouco cessará de crescer.
   Se lhe puder dizer alguma coisa mais é isto: Não pense que aquêle que o procurar consolar levar uma vida descansada no meio das palavras simples e descretas que às vêzes fazem bem ao senhor. A vida dêle comporta muito sacrifício e muita tristeza e fica-lhes muito atrás. Mas se assim não fôsse, êle nunca podia ter encontrado aquelas palavras.

                                          Seu
                                Rainer Maria Rilke

Cartas A Um Jovem Poeta - Sétima Carta

Roma, 14 de maio de 1904.

Meu caro Sr. Kappus,

   Decorreu muito tempo desde que recebi a sua última carta. Não me guarde rancor por isto; trabalho, incômodos e indisposições impediram-me sucessivamente de dar-lhe uma resposta. Queria que esta lhe viesse de dias tranqüilos e bons. Agora me sinto outra vez um pouco melhor (o comêço da primavera fêz sentir bastante, também aqui, suas transições malignas e caprichosas,) e venho cumprimentá-lo, caro Sr. Kappus, e (o faço com tanto gôsto) dizer-lhe, o melhor que posso, algumas coisas a respeito de sua carta.
   Como vê, copiei o seu soneto (*Ver a tradução dêste soneto ao final da carta) por achá-lo belo e simples e porque nasceu numa forma em que se move com tão discreta correção. Dos versos seus que tenho ido são êstes os melhores. Venho agora oferecer-lhe esta cópia, porque sei como é importante e cheio de novas  experiências rever um trabalho próprio copiado pela mão de outrem. Leia os versos como se fôssem de outra pessoa e no fundo da alma há de sentir como são seus.
   Foi uma alegria para mim reler várias vêzes o sonêto e a carta, agradeço-lhe ambos.
   Não se deve deixar enganar em sua solidão, por existir algo em si que deseja sair dela. Justamente tal desejo, se dêle se servir tranqüila e sossegadamente como de um instrumento, há de ajudá-lo a estender a sua solidão sôbre um vasto território. Os homens, com o auxílio das convenções, resolveram tudo fàcilmente e pelo lado mais fácil da facilidade; mas é claro que nós devemos agarrar-nos ao difícil. Tudo o que é vivo se agarra a êle, tudo na natureza cresce e se defende segunda a sua maneira de ser; e faz-se coisa própria nascida de si mesma e procura sê-lo a qualquer preço e contra qualquer resistência. Sabemos pouca coisa, mas que temos de nos agarrar ao difícil é uma certeza que não nos abandonará. É bom estar só, porque a solidão é difícil. O fato de uma coisa ser difícil deve ser um motivo a mais para que seja feita.
   Amar também é bom: porque o amor é difícil. O amor de duas criaturas humanas talvez seja a tarefa mais difícil que nos foi imposta, a maior e última prova, a obra para a qual tôdas as outras são apenas uma preparação. Por isso, pessoas jovens que ainda são estreantes em tudo, não sabem amar: tem que aprendê-lo.
   Com todo o seu ser, com tôdas as suas fôrças concentradas em seu coração solitário, medroso e palpitante, devem aprender a amar. Mas a aprendizagem é sempre uma longa clausura. Assim, para quem ama, o amor, por muito tempo e pela vida afora, é solidão, isolamento cada vez mais intenso e mais profundo. O amor, antes de tudo, não é o que se chama entregar-se, confundir-se, unir-se a outra pessoa. Que sentido teria, com efeito, a união com algo não esclarecido, inacabado, dependente? O amor é uma ocasião sublime para o indivíduo amadurecer, tornar-se algo em si mesmo, tornar-se um mundo para si, por causa de um outro ser; é uma grande e ilimitada exigência que se lhe faz, uma escolha e um chamado para longe. Do amor que lhes é dado, os jovens deveriam servir-se ùnicamente como de um convite para trabalhar em si mesmos (" escutar e martelar dia e noite"). A fusão com o outro, a entrega de si, tôda a espécie de comunhão não são para êles (que deverão durante muito tempo ainda juntar muito, entesourar); são algo de acabado para o qual, talvez, mal chegue atualmente a vida humana.
   Aí está o êrro tão grave e frequënte dos jovens: êles - cuja natureza comporta o serem impacientes - atiram-se uns aos outros quando o amor desce sôbre êles e derramam-se tais como são com seu desgovêrno, sua desordem, sua confusão. Que acontecerá pois? Que poderá fazer a vida dêsse montão de material estragado a que êles chamam a sua comunhão e fàcilmente chamariam de sua felicidade? Que futuro os espera? Cada um se perde por causa do outro e perde ao outro e a muitos outros que ainda queriam vir. Perde os longes e as possibilidades, troca o aproximar-se e o fugir de coisas silenciosas e cheias de sugestões por uma estéril perplexidade de onde nada de bom pode vir, a não ser um pouco de enjôo, desilusão e empobrecimento. Depois procuram salvar-se, agarrando-se a uma das muitas convenções que se oferecem como abrigos para todos nesse perigoso caminho. Nenhum terreno da experiência humana é tão cheio de convenções como êste. Há nêle uma profusão de cintos salva-vidas, canos e bexigas natatórias, tôda espécie de refúgios preparados pela opinião que, inclinada a considerar a vida amorosa um prazer, teve de torná-la fácil, barata, sem perigos e segura como os prazeres do público.
   No entanto, muitos jovens que amam erradamente, isto é, entregando-se simplesmente se manterem sua solidão - e a média fica sempre nisso -, sentem o pêso opressivo do êrro cometido e gostariam de, à sua maneira, tornar vivedouro e fértil o estado de coisas a que se vêem reduzidos. A sua natureza lhes diz que as questões do amor não podem, menos ainda do que qualquer outra importante, ser resolvidas em comum, conforme um acôrdo qualquer; que são perguntas feitas diretamente de um ser humano para outro, que em cada caso exigem outra resposta, específica, estritamente pessoal. Mas como podem êles
   Êles agem num desamparo comum e, ao quererem evitar com a maior boa vontade do mundo a convenção que lhes ocorre (como o casamento), vão dar em outra solução menos clamorosa mas de um convencionalismo não menos mortal. Êles não têm, de fato, senão convenções em redor de si. Tudo o que parte de uma comunhão mal coagulada é convencional: tôdas as relações resultantes de tal confusão encerram a sua convenção por menos usual (ou, nos sentido comum, por menos moral) que seja. A própria separação seria aí um passo convencional, uma decisão fortuita e impessoal, sem fôrça nem fruto.
   Quem examina a questão com seriedade, acha que, como para a morte, que é difícil, também para o difícil amor não foi encontrada até hoje uma luz, uma solução, um aceno ou um caminho. Não se poderá encontrar, para  ambas estas tarefas, que carregamos veladas em nós e transmitimos sem as esclarecer, nenhuma regra comum, baseada em qualquer acôrdo. Na medida, porém, em que começarmos a tentar, solitários, a vida, estas grandes coisas se hão de aproximar da nossa solidão. As exigências feitas à nossa evolução pela tarefa difícil do amor são sôbre-humanas e, quando estreantes, não podemos estar à sua altura. Mas se perseverarmos, apesar de tudo, e aceitarmos êsse amor como uma carga e um tirocínio em vez de nos perdermos na fácil e leviana brincadeira que serve aos homens para se subtraírem ao problema mais grave de sua existência - então, talvez, um leve progresso e alguma facilidade venham a ser experimentados por aquêles que chegarem muito tempo depois de nós - e isto já será muito.
   Até agora conseguimos apenas examinar sem preconceitos, objetivamente, as relações de um ser para com outro, e nossas tentativas de viver tais relações ainda não têm um modêlo diante de si. No entanto, o caminhar do tempo traz mais de um auxílio para a nossa indecisa aprendizagem.
   A moça e a mulher, em sua nova e peculiar evolução, transitòriamente imitarão os hábitos e os vícios masculinos, só transitòriamente repetirão as profissões masculinas, Depois de passada a incerteza dessa transição, é que se poderá perceber que as mulheres não adotaram tôda aquela multidão de disfarces (freqüentemente ridículos) senão para limpar sua profunda essência das influências deformadoras do outro sexo. A mulher em quem a vida habita mais direta, fértil e cheia de confiança, deve, na realidade, ter-se tornado mais amadurecida, mais humana que os homens, criaturas leves a quem o pêso de um fruto carnal não fêz descer sob a superfície da vida e que, vaidosos e apressados, subestimam o que pensam amar. Esta humanidade da mulher, levada a têrmo entre dores e humilhações há de vir à luz, uma vez despidas, nas transformações de sua situação exterior, as convenções de exclusiva feminilidade. Os homens que não a sentem vir ainda, serão por ela surpreendidos e derrotados. Um dia (desde já predito, sobretudo nos países nórdicos, por sinais fidedignos) ali estará a moça, ali estará a mulher cujo nome não mais significará apenas uma oposição ao macho nem suscitará a idéia de complemento e de limite, mas sim a de vida, de existência: a mulher-ser-humano.
   Êsse progresso há de transformar radicalmente (muito contra a vontade dos homens a quem tomará a dianteira) a vida amorosa hoje tão cheia de erros numa relação ser humano para ser humano, não de macho para fêmea. E êsse amor mais humano (que se produzirá de maneira infinitamente atenciosa e discreta, num atar e desatar claro e correto) assemelhar-se-á àquele que nós preparamos lutando fatigosamente, um amor que consiste na mútua proteção, limitação e saudação de duas solidões.
   Ainda mais: não pense que o grande amor que lhe fora imposto na sua adolescência se tenha perdido. Não terá sido então que amadureceram em si grandes e bons desejos e propósitos dos quais o senhor vive ainda hoje? Creio que aquêle amor persiste tão forte e poderoso em sua memória justamente por ter sido sua primeira solidão profunda e o primeiro trabalho interior com que moldou sua vida.
   Todos os meus bons votos para si, caro Sr. Kappus.
                                                                                      Seu
                                                                                                Rainer Maria Rilke


SONÊTO

 A Franz Xaver Kappus

Treme sem queixa por meu coração,
sem suspiro, uma dor muito sombria.
Só dos sonhos a nívea floração
é a festa de algum mais tranqüilo dia.

Tanta vez a grande interrogação
se me depara! Encolho-me, e com fria
timidez passo, como passaria
por bravo mar, sem aproximação.

Desce, então, sôbre mim, turva amargura
como êsses céus cinzentos de verão
onde uma estrêla às vêzes estremece

Tateantes, minhas mãos vão à procura
do amor, buscam as palavras da oração
que meu lábio deseja e não conhece.

Cartas A Um Jovem Poeta - Sexta Carta

Roma, 23 de dezembro de 1903

  Meu caro Sr. Kappus,

   Não quero que fique sem uma saudação minha pelo Natal, quando, no meio da festa, carregar sua solidão mais difìcilmente do que nunca. Mas se verificar, nesse momento, que a sua solidão é grande, alegre-se com isto. Que seria, com efeito, uma solidão (faça esta pergunta a si mesmo) que não tivesse grandeza? Há uma solidão só: é grande e difícil de se carregar. Quase todos, em certas horas, gostariam de trocá-la por uma comunhão qualquer, por mais banal e barata que fôsse; por uma aparência de acôrdo insignificante com quem quer que seja; com a pessoa mais indigna. Mas talvez sejam estas, justamente, as horas em que ela cresce, pois o seu crescimento é doloroso como o de um menino triste como o comêço das primaveras. Mas tudo isto não o deve desorientar. O que se torna preciso, é no entanto isto: solidão, uma grande solidão interior. Entrar em si mesmo, não encontrar ninguém durante horas - eis o que se deve fazer alcançar. Estar sòzinho como se estava quando criança, enquanto os adultos iam e vinham, ligados a coisas que pareciam importantes e grandes porque êsses adultos tinham um ar tão ocupado e porque nada se entendia de suas ações.
   Se depois um dia a gente descobre que suas ocupações são mesquinhas e suas profissões petrificadas, sem ligação algumas com a vida, por que não voltar a olhá-los outra vez como uma criança olha para uma coisa estranha, do âmago de seu próprio mundo, dos longes de sua própria solidão que é, por si só, trabalho, dignidade e profissão? Por que querer trocar a sábia não-compreensão de uma criança pela defensiva e pelo desprêzo, - uma vez que a não compreensão significa solidão ao passo que na defensiva e desprêzo equivalem à participação nas próprias coisas cujo afastamento se deseja?
   Pense, caro senhor, no mundo que leva em si e chame o seu pensamento como quiser: reminiscência da sua própria infância ou saudade do futuro - o que importa apenas, é prestar atenção ao que nasce dentro de si e colocá-lo acima de tudo o que observar em redor. os seus acontecimentos interiores merecem todo o seu amor; nêles de certa maneira deve trabalhar e não perder demasiado tempo e coragem em esclarecer suas relações com os homens. Aliás, quem lhe diz que as tem? Sua profissão, bem o sei, é dura, cheia de contradições para si;  previ a sua queixa e sabia que ela havia de vir. Agora que chegou não o posso tranqüilizar, mas apenas aconselhar-lhe que examine se tôdas as profissões não são assim cheias de exigências, de hostilidade contra o indivíduo, como que ensopadas do ódio daqueles que, mudos, resmungando, se tiveram de conformar com o simples dever. A posição em que agora deve viver não é mais carregada de convenções, preconceitos e erros do que tôdas as outras. Se há algumas que exigem bem uma liberdade maior, não existe nenhuma que seja larga e ampla em si, relacionada com as grandes coisas de que se compõe a verdadeira vida. Mas o solitário é como uma coisa submetida às profundas leis. Ao sair para a manhã que aponta, ao olhar para a noite cheia de eventos, se chega a sentir tudo o que aí acontece, todos os encargos se desprenderão no meio vibrante da vida. O que agora deve experimentar, caro Sr. Kappus, em sua qualidade oficial, tê-lo-ia sentido em qualquer das profissões existentes. Mesmo que, fora de qualquer pôsto, tivesse procurado apenas contatos leves e independentes com a sociedade, êste sentimento constrangedor não lhe seria poupado. - Por tôda parte as coisas são assim. Mas isto não é um motivo de angústia ou tristeza. Não tendo nenhuma comunhão com os homens, procure ficar perto das coisas, que não o abandonarão. Ainda há as noite e os ventos que passam pelas árvores e percorrem muitos países. No mundo das coisas e dos bichos tudo está ainda cheio de acontecimentos de que o senhor pode participar. As crianças são ainda como o senhor era quando criança, tão tristes e tão felizes - e quando pensar na sua infância, torne a viver entre elas, as crianças solitárias: os adultos voltarão a não ser nada, e suas dignidades não terão nenhum valor.
   Se porventura lhe fôr temível e penoso pensar na sua infância, na simplicidade e no silêncio ligados a ela, por não poder mais crer em Deus que nela se encontrar por tôda a parte, então pergunte a si mesmo, caro Sr. Kappus, se realmente terá perdido a Deus. Não será, antes, que o senhor ainda não o possuiu? Aliás, quando o teria possuído? Parece-lhe que uma criança o possa segura, a Êle que os homens custam a carregar e cujo pêso esmaga os anciãos? Parece-lhe que alguém que realmente o possui o possa perder como um seixo? Não lhe parece, antes, que aquêle que o teve pode por Êle ser perdido? Se porém reconhece que Êle não existia na sua infância, nem antes; se admite que Cristo foi iludido pela sua saudade e Maomé enganado por seu orgulho; se percebe com espanto que Êle não existe nem mesmo nesta hora que falamos d´Êle - que coisa então o autoriza a sentir falta de alguém que nunca foi e a procurá-lo como se estivesse perdido?
   Por que não pensar que Êle é o vindouro, aquêle que está por vir desde a eternidade, o futuro, o fruto final da árvore de que nós somos as fôlhas? Que é que o impede de projetarcomêço? Não poderia ser, então, o comêço d´Êle, pois todo o comêço em si é tão belo? Se Êle é o mais perfeito, não deve ter havido algo menor antes d´Êle para que Êle se pudesse escolher a si mesmo dentro da plenitude e abundância? Não deverá ser Êle o último, para encerrar tudo em si Que sentido teria a nossa vida se Aquêle a que aspiramos já tivesse sido? Como as abelhas reúnem o mel, assim nós tiramos o que há de mais doce em tudo para o construirmos. Começamos pelo pormenor, pelo insignificante (pôsto que venha do amor), depois pelo trabalho e pelo repouso, por um silêncio ou por uma pequena alegria solitária; por tudo o que fazemos, sem participantes ou aderentes. Iniciamos Êsse que não podemos compreender, do mesmo modo que os nossos antepassados não nos puderam compreender a nós mesmos. No entanto, êstes sêres desaparecidos há muito, estão em nós, em nossos pendores, pensando sôbre nosso destino, zumbindo em nosso sangue, emergindo num gesto que sobe do âmago dos tempos.
   Existe algo que lhe possa tirar a esperança de estar futuramente n'Êle, no longínquo, no extremo?
   Festeje o Natal, caro Sr. Kappus, com o pio sentimento de que talvez Êle, para começar, aguarde do senhor justamente esta angústia de viver. Talvez justamente êstes dias de transição sejam o tempo em que tudo no senhor trabalha n'Êle, como outrora, quando criança o senhor n'Êle trabalhou palpitante. Não seja impaciente e mal-humorado. Lembre-se de que a menor coisa que podemos fazer consiste em lhe dificultar tão pouco o nascimento quanto a terra dificulta o advento  da primavera, quando ela tem de vir.
           Fique alegre e tranqüilo.
                                   Seu
                                                   Rainer Maria Rilke

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Cartas A Um Jovem Poeta - Quinta carta

Roma, 29 de outubro de 1903

Caro e prezado Senhor,

   Recebi em Florença sua carta de 29 de agôsto e venho a falar nela sòmente agora, ao cabo de dois meses. Desculpe esta morosidade, mas não gosto de escrever cartas quando estou viajando. Preciso, para fazê-lo, além dos apetrechos indispensáveis, de mais alguma coisa: um pouco de silêncio e de solidão e uma hora não muito alheia.
   Chegamos a Roma há umas seis semanas, num momento em que ela é ainda a cidade vazia, quente, mal-afamada da febre. Tal circunstância, com dificuldades de ordem prática, referentes à nossa instalação, contribuiu para que não cessasse a inquietação em volta de nós e que as coisas estrangeiras nos esmagassem sob o pêso do desambientamento. Acrescente-se que Roma (quando se não a conhece ainda) exerce uma impressão de oprimente tristeza, pela atmosfera de museu, turva e morta, que exala, pela plenitude de seus passados exumados e fatigosamente conservados (de que se nutre um presente mesquinho), pela incrível superestimação, praticada por eruditos e filólogos e imitada pelos turistas convencionais, de  tôdas aquelas coisas deformadas e gastas que, afinal de contas, são apenas os restos casuais de outra época e de uma vida que não é nossa nem deve ser nossa. Finalmente, depois de semanas de uma defensiva diária, a gente volta a se encontrar a si mesma de novo, embora ainda um pouco perturbada e diz consigo: Não, aqui não há mais beleza do que em outro lugar e todos êstes objetos que as gerações sucessivas admiram, remendados e completados por mãos de artifíceis, não têm coração nem valor. Entretanto, há muita beleza aqui, porque há muita beleza em tôda parte. Águas infinitamente vivas correm nos antigos aquedutos, pela grande cidade; bailam em numerosas praças sôbre brancos pratos de pedra; estendem-se em amplas e espaçosas bacias, sussurram de dia e reforçam seu sussurro durante a noite que aqui é grandiosa e estrelada, suavizada pelos ventos. Há também jardins, inesquecíveis alamêdas  e escadas, escadas imaginadas por Miguel Ângelo, escadas construídas à guisa de águas que resvalam, alargando-se em declive, um degrau gerando o outro, como uma onda gera outra onda. Tais impressões fazem com que a gente se recolha e se recupere da pretensiosa multidão que fala e tagarela por tôda parte (e com que loquacidade!) e aprenda a reconhecer gradativamente as pouquíssimas coisas em que perduram o eterno que se pode amar e a solidão de que se pode participar silenciosamente.
   Estou ainda morando na cidade, no Capitólio, perto da estátua eqüestre mais bela que nos foi conservada da arte romana, a de Marco Aurélio. Em poucas semanas, porém, hei de mudar-me para uma casa simples e silenciosa, uma antiga altana perdida nas profundezas de um grande parque, longe da cidade, de seu barulho e seus acasos. Ali passarei todo o inverno a me alegrar com o grande silêncio de que espero o dom de horas boas e ricas.
   De lá, onde me sentirei mais em casa, hei de escrever-lhe mais demoradamente, voltando a falar da sua carta. Hoje devo apenas comunicar-lhe (o que talvez tivesse de fazer antes) que o livro anunciado em sua carta (que devia conter trabalhos seus) não me chegou às mãos. Ter-lhe-á sido devolvido de Wolpswede (por não ser permitido retransmitir encomendas para o estrangeiro) ? Esta é a suposição mais favorável, que gostaria de ver confirmada. Esperemos que o livro não se tenha perdido, o que infelizmente, dadas as condições do correio na Itália, não constituiria exceção. Teria tido o prazer em receber êsse livro (como tudo o que me dá novas suas). Seus versos, nascidos neste interim, (se mos confiar) hei de lê-los, relê-los e vivê-los com tôda intensidade e todo o carinho possíveis. Como votos e saudações, seu
                                                                                                                   Rainer Maria Rilke
                                       

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Cartas A Um Jovem Poeta - Quarta Carta

De passagem por Worpswede, perto de Bremen,
16 de Julho de 1903.

   Deixei Paris há uns dez dias, bastante indisposto e cansado, e vim para esta grande planície nórdica cuja vastidão, silêncio e céu hão de curar-me outra vez. Mas entrei logo numa longa chuva, que sòmente hoje deixou um pouco de claridade sôbre o país sacudido de inquietação. Aproveito êste primeiro momento de luz para cumprimentá-lo, caro senhor.
   Querido Sr. Kappus, deixei uma carta sua sem resposta durante muito tempo. Isto não quer dizer que o tenha esquecido. Pelo contrário. É uma daquelas cartas que a gente relê cada vez que as volta a encontrar entre as outras. Nela o reconheci como se estivesse muito perto de mim. Era sua carta de dois de maio, que provàvelmente não terá esquecido. Ao lê-la, como o faço agora, no grande silêncio dêstes longes, sinto-me comovido por sua bela preocupação com a vida, mais ainda do que me senti em Paris onde tudo ressoa e esmorece de outro modo, devido ao excessivo barulho que faz as coisas estremecerem. Aqui, tendo em redor de mim uma possante região sôbre a qual passam ventos vindos dos mares, bem sinto que nenhum homem pode responder às perguntas e aos sentimentos que têm vida própria no âmago de seu ser. Mesmo os melhores se enganam no uso das palavras quando estas têm de significar o que há de mais discreto, de quase indizível. Creio, contudo, que o senhor não deixará de encontrar uma solução, se se agarrar a coisas que se assemelham a si, como as que agora dão repouso aos meus olhos. Se se agarrar à natureza, ao que ela tem de simples, à miudeza que quase ninguém vê e que tão inesperadamente se pode tornar grande e incomensurável; se possuir êste amor ao insignificante; se procurar singelamente ganhar como um servidor a confiança daquilo que parece pobre - então tudo se lhe há de tornar fácil, harmonioso, e por assim dizer, reconciliador, - não talvez no intelecto, que ficará atrás espantado, mas sim na sua mais íntima consciência, que vigia e sabe. O senhor é tão moço, tão aquém de todo começar que lhe rogo, como melhor posso, ter paciência com tudo o que há para resolver em seu coração e procurar amar as próprias perguntas como quartos fechados ou livros escritos num idioma muito estrangeiro. Não busque por enquanto respostas que não lhe podem ser dadas, porque não as poderia viver. Pois trata-se precisamente de viver tudo. Viva por enquanto as perguntas. Talvez depois, aos poucos, sem que o perceba, num dia longínquo, consiga viver a resposta. Quiçá carregue em si a possibilidade de criar e moldar, - como uma maneira de ser particularmente feliz e pura. Eduque-se para isto, mas aceite o que vier com tôda a confiança. Se vier só da sua vontade, de qualquer necessidade de seu ser íntimo, aceite-o e não o odeie. A carne é um pêso difícil de se carregar. Mas é difícil o que nos incumbiram; quase tudo o que é grave é difícil: e tudo é grave. Se chegar a reconhecer isto e alcançar, - partindo de si, de sua inclinação e de sua maneira de ser, de sua experiência e infância - uma relação inteiramente sua (livre de convenções e costumes) com a carne, não mais deverá temer o perder-se e o tornar-se indigno de sua posse mais preciosa.
   A volúpia carnal é uma experiência dos sentidos, análoga ao simples olhar ou à simples sensação com que um belo fruto enche a língua. É uma grande experiência sem fim que nos é dada; um conhecimento do mundo; a plenitude e o esplendor de todo o saber. O mal não é que nós a aceitemos; o mal consiste em quase todos abusarem dessa experiência, malbaratando-a fazendo dela um mero estímulo para os momentos cansados de sua existência, uma simples distração, em vez de uma concentração interior para as alturas. Até o comer, os homens transformaram em algo diferente: a carência de um lado, o excesso de outro perturbaram a clareza desta necesssidade; e tôdas as necessidades elementares em que a vida se renova tornaram-se igualmente turvas. O indivíduo, porém, pode esclarecê-las  para si mesmo e vivê-las às claras (não todos os indivíduos, demasiado dependentes, mas pelo menos os solitários). Êstes podem lembrar-se de que tôda beleza em animais e plantas é uma forma silenciosa e durável de amor e desejo; e podem ver o animal como a planta, unindo-se, multiplicando-se e crescendo paciente e dòcilmente, não por gôzo físico nem por dor física, mas curvando-se diante de necessidades maiores que a volúpia e a dor e mais poderosas que a vontade e a resistência. Pudesse o homem acolher com maior humildade êste segrêdo de que a terra está cheia até em suas coisas mais ínfimas; carregá-lo e suportá-lo com mais gravidade, sentindo-lhe o pêso - em vez de o tratar com leviandade. Pudesse ter respeito para com a própria fecundidade, que é uma só, embora pareça ora espiritual ora corporal. A criação intelectual, com efeito, provém também da criação carnal. É da mesma essência; é apenas uma repetição mais silenciosa, enlevada e eterna da volúpia do corpo. "A idéia de ser criador, de gerar, de moldar" não é nada sem sua grande e perpétua confirmação na vida; nada sem o consenso mil vêzes repetido das coisas e dos animais. Seu gôzo não é tão indescritivelmente belo e rico senão porque está cheio de reminiscências herdadas da geração e de parte de milhões de sêres. Numa idéia criadora revivem mil noites de amor esquecidas que a enchem de altivez e altitude. Aquêles que se juntam à noite e se entralaçam num baloiçar de volúpia, executam obra grave, reunindo doçuras, profundezas e fôrças para a canção de algum poeta vindouro que há de surgir para dizer indizíveis prazeres. Êles estão evocando o futuro; mesmo que estejam enganados, que se abracem cegamente, o futuro virá apesar de tudo; um homem novo se há de erguer. Sôbre a base do acaso que parece cumprir-se nesse abraço, acordar a lei que faz com que um germe forte e poderoso avance até o óvulo que vem aberto a seu encontro. Não se deixe enganar pela superfície: - nas profundidades tudo se torna lei. Aquêles que vivem mal êste segredo (é o caso da maioria), perdem-no apenas para si mesmos, pois transmitem-no a outros como uma carta lacrada sem o saberem. Não se deixe iludir pela multiplicidade dos nomes ou pela complicação dos casos. Talvez paire acima de tudo uma imena maternidade, um comum desejo. A beleza da virgem, um ser "que - como diz com tanto acêrto - ainda não cumpriu nada" é maternidade que se pressente e se prepara, que anseia e deseja. A beleza da mãe é a maternidade que serve; a da anciã uma grande recordação. No próprio homem, parece-me, há maternidade carnal e espiritual; a sua criação também é uma maneira de dar à luz. Talvez os sexos sejam mais aparentados do que se pensa e a grande renovação do mundo talvez resida nisto: o homem e a mulher, libertados de todos os sentimentos falsos, de todos os empecilhos, virão a procurar-se não mais como contrastes, mas sim como irmãos e vizinhos; a juntar-se como homens para carregarem juntos, com simples e paciente gravidade, a sexualidade que difícil que lhes foi imposta.
   Mas tudo isto que talvez um dia seja possível a muitos, o solitário pode prepará-lo desde já, e construí-lo com sua mãos, que erram menos. Por isso, caro senhor, ame a sua solidão e carregue com queixas harmoniosas a dor que ela lhe causa. Diz que os que sente próximos estão longe. Isto mostra que começa a fazer-se espaço em redor de si. Se o próximo lhe parece longe, os seus longes alcançam as estrêlas, são imensos. Alegre-se com esta imensidade, para qual não pode carregar ninguém consigo. Seja bom para com os que ficarem atrás, mostre-se-lhes calmo e sereno sem os atormentar com suas dúvidas, nem os assustar com uma confiança ou uma alegria que êles não poderão compreender. Procure realizar com êles uma comunhão qualquer, fiel e simples, que não se deverá necessàriamente transformar à medida que o senhor mesmo se transforme. Ame nêles a vida sob uma forma estrangeira e tenha indulgência com os homens que, envelhecidos, temem a solidão a que o senhor se confia. Evite dar alimento ao drama sempre pendente entre pais e filhos o qual gasta muito fôrça dêstes e consome o amor daquêles; amor que, embora incompreensivo, age e aquece. Não lhes peça conselho e não conte com a sua compreensão, mas acredite num amor que lhe é conservado como uma herança e fique certo de que há nesse amor uma fôrça e ma bênção a que não se arrancará mesmo se fôr para muito longe.
   É bom o senhor abraçar antes de tudo uma profissão, que o tornará independente e o entregará exclusivamente a si, em todos os sentidos. Aguarde com paciência, a ver se a sua vida íntima se sente limitada pela forma dessa profissão; considero-a muito difícil e cheia de exigências, carregada de convenções e quase sem margem para uma interpretação pessoal de seus deveres. Mas a sua solidão há de dar-lhe, mesmo entre condições muito hostis, amparo e lar, e partindo dela encontrará todos os caminhos. Todos os seus desejos estão prontos a acompanhá-lo e minha confiança está consigo.

                                                                                                 Seu
                                                                                             Rainer Maria Rilke

sábado, 2 de outubro de 2010

Cartas A Um Jovem Poeta - Terceira Carta

Viareggio perto de Pisa (Itália),
23 de Abril de 1903.

   A sua carta pascal, caro e prezado senhor, deu-me um grande prazer, pois me disse muita coisa boa a seu respeito. A maneira por que me fala da grandiosa e querida arte de Jacobsen mostra que não me enganei ao conduzir sua via e seus muitos problemas para essa plenitude.
   Agora se lhe revelará Niels Lyhne, um livro de esplendores e profundezas. Quanto mais o leio, mais tenho a impressão de que tudo está aí dentro, do perfume mais discreto da vida ao sabor pleno e forte de seus frutos mais pesados. Não há nada nesse livro que não tenha sido compreendido, apanhado, vivido e, pelos ecos vibrantes da saudade, reconhecido; nenhuma experiência foi insignificante; o menor acontecimento desdobra-se com um destino. O próprio destino é como um amplo e admirável tecido em que dedos de infinita ternura conduzem cada fio, colocando-o entre os demais, fixando-o a cem outros que o sustentam. Experimentará a grande felicidade de ler êsse livro pela primeira vez e de passar como num sonho novo pelas inúmeras surprêsas que oferece. Posso dizer-lhe, contudo, que ao reler êsses livros, torna-se a sentir de cada vez o mesmo assombro, pois êles nada perdem de seu maravilhoso poder e nada lhes diminui o fabuloso encanto com que subjugaram o leitor pela primeira vez. Dão lhe sempre maior gôzo e tornam-no mais grato e de certo modo melhor com uma visão mais simples, mais cheio de fé na vida e, na vida mesma, maior e mais feliz.
   Depois terá de ler o admirável livro do destino e das saudades de Maria Grubbe, as cartas de Jacobsen, páginas de seu diário, seus fragmentos e, finalmente, seus versos que (apesar da mediocridade da tradução) vivem em ressonâncias sem fim. Aconselhar-lhe-ia comprar a bela direção das obras reunidas de Jacobsen que contém tudo isto. Foi publicada, em três volumes bem traduzidos pela casa Eugen Diederichs em Lípsia, e custa, se não me engano, 5 ou 6 marcos apenas, o volume.
   O senhor tem razão, naturalmente, não há que contestar no que diz respeito a  Aqui devia haver rosas, (obra de tão incomparável forma e finura), contra o autor da introdução. Deixe-me fazer-lhe aqui um pedido: leia o menos possivel trabalhos de estética e crítica. Ou são opiniões partidárias petrificadas e tornadas sem sentido em sua rigidez morta, ou hábeis jogos de palavras inspirados hoje numa opinião, amanhã noutra. As obras de arte são de uma infinita solidão; nada as pode alcançar tão pouco quanto a crítica. Só o amor as pode compreender e manter e mostrar-se justo com ela. É sempre a si mesmo e a seu sentimento que deve dar razão contra tôda explanação, comentário ou introdução dessa espécie. Mesmo que se engane, o desenvolvimento natural de sua vida interior há de conduzi-lo devagar, e com o tempo, a outra compreensão. Deixe a seus julgamentos sua própria e silenciosa evolução sem a perturbar; como qualquer progresso, ela deve vir do âmago do seu ser e não pode ser reprimida ou acelerada por coisa alguma. Tudo está em levar a têrmo e, depois, dar à luz. Deixar amadurecer inteiramente, o no âmago de si, nas trevas do indizível e do inconsciente, do inacessível a seu próprio intelecto, cada impressão e cada germe de sentimento e aguardar com profunda humildade e paciência a hora do parto de uma nova claridade: só isto é viver artìsticamente na compreensão e na criação.
   Aí o tempo não serve de medida: um ano nada vale, dez anos não são nada. Ser artista não significa calcular e contar, mas sim amadurecer como a árvore que não apressa a sua seiva e enfrenta tranqüila as tempestades da primavera, sem mêdo de que depois dela não venha nenhum verão. O verão há de vir. Mas virá só para os pacientes, que aguardam num grande silêncio intrépido, como se diante dêles estivesse a eternidade. Aprendo-o diàriamente, no meio de dores a que sou agradecido: a paciência é tudo.
   Richard Dehmel. As minhas relações com seus livros (como, aliás, com o próprio homem que conheço superficialmente) são de tal natureza que, ao encontrar uma de suas belas páginas, estou sempre com mêdo da seguinte que já de estragar tudo de novo, transformando o que merecia simpatia em algo de indigno. O senhor o caracterizou bastante bem com as palavras: "viver e escrever em cio" - Com efeito, a experiência artística está tão incrivelmente perto da experiência sexual no sofrimento e no gôzo que os dois fenômenos não são senão formas diversas da mesma saudade e da mesma bem-aventurança. Se em vez de cio pudéssemos dizer sexo num sentido amplo e puro, não comprometido por nenhuma suspeita de igreja, a arte de Dehmel seria bem grande e de excepcional importância. A sua fôrça poética, grande como um instinto primitivo, tem seu próprios ritmos, violentos, e jorra como de uma montanha.
   Parece, entratanto, que esta fôrça não é sempre totalmente sincera e desprovida de pose. (É verdade que é esta uma das provas mais difíceis do criador: deve ficar sempre inconsciente, desprevinido de suas mais belas virtudes, se não lhes quiser tirar a ingenuidade e a pureza.) Quando pois, invadindo-lhe o ser, ela chega à sexualidade, não mais encontra um homem tão puro como seria preciso. Defrontan-se-nos aí um mundo sexual não inteiramente amadurecido e puro, um mundo que não é bastante humano, mas apenas viril: cio, ebriedade e intranqüilidade, carregados dos antigos preconceitos e vaidades com que o homem carregou e deformou o amor. Por amar apenas como macho e não como homem, nêle a sensação sexual é algo de estreito, aparentemente selvagem, cheio de ódio, temporário, efêmero, que lhe diminui a arte, tornando-a equívoca e duvidosa. Essa arte não é sem mancha, foi marcada pelo tempo e pela paixão e dela pouco há de sobreviver e durar. (Mas quase tôda arte é assim.) Podemos alegrar-nos contudo, profundamente, com o que ela tem de grande. Apenas não nos devemos perder nisto fazendo-nos adeptos dêsse mundo dehmeliano, tão cheio de angústias, adultérios e distúrbios, longe dos verdadeiros destinos que fazem sofrer mais do que estas perturbações temporárias, mas também oferecem mais oportunidades para aceitarmos a grandeza e enfrentarmos corajosamente a eternidade.
   Finalmente, quanto a meus livros, gostaria de mandar-lhe todos os que lhe pudessem agradar. Mas sou muito pobre e meus livros, mal publicados, não me pertencem mais. Eu mesmo não os posso comprar, nem dar, portanto - como tão freqüentemente teria vontade de fazê-lo, - a quem lhes demonstra afeição.
   Eis por que me restrinjo a escrever-lhe num papel os títulos (e os editores) de meus livros mais recentes (ao todo, publiquei uns 12 ou 13). Deixo a seu cuidado encomendar algum dêles.
   Tenho muito prazer em saber meus livros em suas mãos.
                                                                                           Felicidades.
                                                                                        Rainer Maria Rilke

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Cartas A Um Jovem Poeta - Segunda Carta

Viareggio perto de Pisa (Itália),
5 de Abril de 1903

   Perdoe-me, caro e prezado senhor, o lembrar-me só agora, com gratidão, de sua carta de 24 de fevereiro: estive todo êste tempo indisposto, embora não doente, mas opresso por uma fraqueza parecida com influenza, e que me tornou incapaz de fazer qualquer coisa. Finalmente, não vendo melhoras, vim para as margens dêste mar do sul cuja caridade já me valeu uma vez. Mas ainda não estou bom; custa-me escrever e assim o senhor deve tomar estas poucas linhas como se fôssem muitas mais.
   Deve naturalmente saber que tôda carta sua me alegrará. Mostre-se, porém, indulgente com as respostas, que talvez o deixem mais de uma vez com as mãos vazias. Com efeito, em última análise, é precisamente nas coisas mais profundas e importantes que estamos indizìvelmente sós, e para que um possa aconselhar ou mesmo ajudar o outro, muito deve acontecer; muitos sucessos favoráveis devem ocorrer; tôda uma constelação de eventos se deve reunir para que uma única vez se alcance um resultado feliz.
   Quero falar-lhe hoje apenas de duas coisas. Primeiro, da ironia.
   Não se deixe dominar por ela, sobretudo em momentos estéreis. Nos momentos criadores procure servir-se dela, como de mais um meio para agarrar a vida. Utilizada com pureza, ela também é pura e não nos deve envergonhar. Ao verificar, porém, que se familiariza demais com ela, temendo uma intimidade excessiva, volte-se para objetos grandes e graves, diante dos quais ela se encolhe desajeitada. Busque o âmago das coisas, aonde a ironia nunca desce; e ao sentir-se destarte como que à beira do grandioso, examine ao mesmo tempo se essa concepção das coisas deriva de uma necessidade de seu ser. Sob a influência das coisas graves, como efeito, a ironia ou o abandonará por si mesmo (se tiver sido algo de ocasional)  ou então se reforçará (caso lhe pertença como coisa inata) num instrumentos sério, enquadrando-se no conjuntos dos meios com o que o senhor deverá moldar a sua arte.
   A segunda coisas que lhe queria dizer hoje é a seguinte:
   De todos os meus livros só alguns me são indispensáveis, mas há dois que se encontram entre meus objetos de uso por onde quer que ande. Tenho-os comigo aqui também: a Bíblia e os livros do grande poeta dinamarquês Jens Peter Jacobsen. Pergunto-me se os conhece. Pode fàcilmente adquiri-los, sendo que parte dêles foi publicada na coleção Reklam em ótima tradução. Adquira o volumezinho Seis novelas de Jens Peter Jacobsen e seu romance Niels Lyhne e comece pela primeira novela do primeiro volume intitulada Mogens. Um mundo se abrirá aos seus olhos: a felicidade, a riqueza, a inconcebível grandea de um mundo. Viva nesses livros um momentos, aprenda nêles o que lhe parecer digno de ser aprendido, mas, antes de tudo, ame-os. Êste amor ser-lhe-á retribuído milhares de vêzes e, como quer que se torne a sua vida vida, êle passará a fazer parte, estou certo, do tecido de seu ser, como uma das fibras mais importantes, no meio das suas experiências, desilusões e alegrias.
   Se eu tivesse de confessar com quem aprendi alguma coisa acêrca da essência do processo criador, sua pronfundidade e eternidade, só poderia indicar dois nomes: o de Jacobsen, êste poeta máximo, e o de Auguste Rodin, o escultor que não tem igual entre todos os artistas de nossos dias.
   Que tudo lhe suceda bem em seus caminhos.
                                                                         Seu
                                                                  Rainer Maria Rilke

sábado, 11 de setembro de 2010

Cartas A Um Jovem Poeta - Primeira Carta

     Paris, 17 fevereiro de 1903.

Prezadíssimo Senhor,

   Sua carta alcançou-me apenas há poucos dias. Quero agradecer-lhe a grande e amável confiança. Pouco mais posso fazer. Não posso entrar em considerações acêrca da feição de seus versos, pois sou alheio a tôda e qualquer intenção crítica, que sempre resultam em mal-entendidos mais ou menos felizes. As coisas estão longe de ser tôdas tão tangíveis e dizíveis quanto se nos pretenderia fazer crer; a maior parte dos acontecimentos é inexprimível e ocorre num espaço em que nenhuma palavra nunca pisou. Menos suscetíveis de expressão do que qualquer outra coisa são as obras de arte, - sêres misteriosos cuja vida perdura, ao lado da nossa, efêmera.
   Depois de feito êste reparo, dir-lhe-ei ainda que seus versos não possuem feição própria, somente acenos discretos e velados de personalidade. É o que sinto com a maior clareza no último poema  Minha alma. Aí, algo de peculiar procura expressão e forma. No belo poema  A Leopardi  talvez uma espécie de parentesco com êsse grande solitário esteja apontando. No entanto, as poesias nada têm ainda de próprio e de independente, nem mesmo a última, nem mesmo a dirigida a Leopardi. Sua amável carta que as acompanha não deixou de me explicar certa insuficiência que senti ao ler seus versos sem que a pudesse definir explicitamente. Pergunta se os seus versos são bons. Pergunta-o a mim, depois de o ter perguntado a outras pessoas. Manda-os a periódicos, compara-os com outras poesias e inquieta-se quando suas tentativas são recusadas por um ou outro redator. Pois bem - usando da licença que me deu de aconselhá-lo - peço-lhe que deixei tudo isso. O senhor está olhando para fora, e é justamente o que menos deveria fazer neste momento. Ninguém o pode aconselhar ou ajudar, - ninguém. Não há senão um caminho. Procure entrar em si mesmo. Investigue o motivo que o manda escrever; examine se estende suas raízes pelos recantos mais profundos de sua alma; confesse a si mesmo: morreria, se lhe fôsse vedado escrever? Isto acima de tudo: pergunte a si mesmo na hora mais tranqüila de sua noite: "Sou mesmo forçado a escrever ?" Escave dentro de si uma resposta profunda. Se fôr afirmativa, se puder contestar àquela pergunta severa por um forte e simples "sou", então construa a sua vida de acôrdo com esta necessidade. Sua vida, até em sua hora mais indiferente e anódina, deverá tornar-se o sinal e o testemunho de tal pressão. Aproxime-se então da natureza. Depois procure, como se fôsse o primeiro homem, dizer o que vê, vive, ama e perde. Não escreva poesias de amor. Evite de início as formas usuais e demasiado comuns: são essas as mais difíceis, pois precisa-se de uma fôrça grande e amadurecida para se produzir algo de pessoal num domínio em que sobram tradições boas, algumas brilhantes. Eis por que deve fugir dos motivos gerais para aquêles que a sua própria existência cotidiana  lhe oferece; relate suas mágoas e seus desejos, seus pensamentos passageiros, sua fé em qualquer beleza - relate tudo isto com íntima e humilde sinceridade. Utilize, para se exprimir, sonhos e os objetos de suas lembranças. Se a própria existência cotidiana lhe parecer pobre, não a acuse. Acuse a si mesmo, diga consigo que não é bastante poeta para extrair as suas riquezas. Para o criador, com efeito, não há pobreza nem lugar mesquinho e indiferente. Mesmo que se encontrasse numa prisão, cujas paredes impedissem todos os ruídos do mundo de chegar aos seus ouvidos, não lhe ficaria sempre sua infância, essa esplêndida e régia riqueza, êsse tesouro de recordações? Volte a atenção para ela. Procure soerguer as sensações submersas dêsse longínquo passado: sua personalidade há de reforçar-se, sua solidão há de alargar-se e transformar-se numa habitação entre lusco e fusco diante da qual o ruído dos outros passa longe, sem nela penetrar. Se depois desta volta para dentro, dêste ensimesmar-se, brotarem versos, não mais pensará em perguntar seja a quem fôr se são bons. Nem tão pouco tentará interessar as revistas por êsses trabalhos, pois há de ver nêles sua querida propriedade natural, um pedaço e uma voz de sua vida. Uma obra de arte é boa quando nasceu por necessidade. Neste caráter de origem está o seu critério - o único existente. Também, meu prezado senhor, não lhe posso dar outro conselhos fora dêste: entrar em si e examinar as profundidades de onde jorra a sua vida; na fonte desta é que encontrará a resposta à questão de saber se deve criar. Aceite-a tal como se lhe apresentar à primeira vista sem procurar interpretá-la. Talvez venha a significar que o senhor é chamado a ser um artista. Nesse caso aceite o destino e carregue-o com seu pêso e sua grandeza, sem nunca se preocupar com recompensa que possa vir de fora. O criador, com efeito, deve ser um mundo para si mesmo e encontrar tudo em si e nessa natureza a que se aliou.
   Mas talvez se dê o caso de, após essa descida em si mesmo e em seu âmago solitário, ter o senhor de renunciar a se tornar poeta. (Basta, como já disse, sentir que se poderia viver sem escrever para não mais se ter o direito de fazê-lo). Mesmo assim, o exame de consciência que lhe peço não terá sido inútil. Sua vida, a partir dêsse momento, há de encontrar caminhos próprios. Que sejam bons, ricos e largos é o que lhe desejo, muito mais que lhe posso exprimir.
têrmo de sua evolução. Nada a poderia perturbar mais do que olhar para fora e aguardar de fora respostas a perguntas a que talvez sòmente seu sentimento mais íntimo possa responder na hora mais silenciosa.
   Foi com alegria que encontrei em sua carta o nome do professor Horacek; guardo por êsse amável sábio uma grande estima e uma gratidão que desafia os anos. Fale-lhe, por favor, neste meu sentimento. É bondade dêle lembrar-se ainda de mim; e eu sei apreciá-la.
   Restituo-lhe ao mesmo tempo os versos que me veio confiar amigàvelmente. Agradeço-lhe mais uma vez a grandeza e a cordialidade de sua confiança. Procurei por meio desta resposta sincera, feita o melhor que pude, tornar-me um pouco mais digno dela do que realmente sou, em minha qualidade de estranho.
   Com todo devotamento e tôda a simpatia,
                                                                    Rainer Maria Rilke

Cartas A Um Jovem Poeta - Parte III - Introdução

   Era pelo fim do outono de 1902. Sentado sob os antiqüíssimos castanheiros do parque da academia militar de Wiener-Neustadt  eu lia um livro. Tão absorto estava pela leitura que mal percebi quando o único civil dos nossos professôres, o erudito e bom capelão Horacek, se pôs ao meu lado. Tomou-me o volume das mãos, examinou-lhe a capa e sacudiu a cabeça. "Poesias de Rainer Maria Rilke?" - perguntou pensativo. Folheou o livro, percorreu alguns versos e depois deixou vaguear os olhos ao longe para finalmente dizer-me acenando com a cabeça. "Então o aluno René Rilke tornou-se mesmo poeta?"
   E pôs-se a falar-me no pálido e magro rapaz que os pais tinham matriculado havia mais de quinze anos no curso inferior do colégio militar de Sainkt-Polten para fazerem dêle um oficial. Horacek, naquela altura capelão dêsse estabelecimento, lembrava-se bem do ex-aluno. Descreveu-mo como um jovem calado, prendado e sério que gostava de apartar-se  dos outros e suportava com paciência o constrangimento da vida do internato. Depois do quarto ano, passou com os colegas para o curso superior, que funcionava em Märisch-Weiszkirchen. Ali ficou evidenciado, naturalmente, faltar-lhe a necessária  resistência física. Por êsse motivo, os pais retiraram-no do colégio, fazendo-o estudar perto dêles, em Praga. Acêrca do rumo da vida exterior do poeta, depois disso, Horacek nada mais soube informar-me.
   Compreender-se-á fàcilmente que na mesma hora resolvesse endereçar a Rainer Maria Rilke minhas tentativas poéticas pedindo-lhe um julgamento. Com menos de vinte anos, no limiar de uma carreira que me parecia exatamente oposta aos meus pendores, esperava encontrar compreensão, caso devesse encontrá-la em alguma parte, no poeta de
Mir zu Feier. E sem que eu o quisesse, vim a fazer uma carta para acompanhar meus poemas e na qual me manifestei com tão pouca reserva como nunca antes ou depois a qualquer outro homem.
   Passaram muitas semanas antes que a resposta chegasse. A carta, lacrada de azul, ostentava o carimbo de Paris, era pesada e exibia no envelope os mesmo traços claros, belos e seguros em que estava vazado o próprio texto, da primeira à última linha. Foi assim que começou a minha correspondência regular com Rainer Maria Rilke. Ela durou até 1908 e foi-se espaçando aos poucos, por me ter a vida empurrado para regiões de onde a calorosa, terna e comovente solicitude do poeta me quisera precisamente afastar.
   Mas isto pouco importa. Importam apenas as dez cartas que se seguem, para conhecimento do mundo em que vivia e agia Rainer Maria Rilke. Elas têm a sua importância para muitos adolescentes de hoje e de amanhã. Quando fala um dos grandes que só uma vez aparecem, os pequenos devem calar-se.

Berlim, junho de 1929.
                                       Franz Xaver Kappus.
   

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Cartas A Um Jovem Poeta - Parte II - Prefácio

"Não sei se vai tentar a tarefa quase impossível de falar de Rainer Maria Rilke na brevidade desta apresentação de duas de suas obras, talvez as mais fáceis de traduzir e de explicar, por se comporem, a primeira, da série de dez cartas que redigiu, entre 1903 e 1908 ao jovem poeta Franz Xaver Kappus, e, a segunda, do poema "A Canção de Amor e Morte do Porta-Estandarte Cristóvão Rilke", que, por muito que nos traga de sonho, como tôda a obra do poeta, é, no entanto, das suas páginas  mais objetivas, e construído sôbre a realidade de um documento que lhe serve de prólogo.
Êste prefácio visaria especialmente falar da primeira das traduções, de que se ocupou o Sr. Paulo Rónai, poliglota e erudito já incorporado  às letras brasileiras, e que verteu para nosso idioma com a exatidão possível - considerando-se o que há de intencional na linguagem de Rilke - essas cartas tão ricas de outra substância, além do simples conselho literário. Se alguma vez se sente, na tradução, certa obscuridade, ela é como a do original: por estarem as palavras obedecendo à fidelidade do pensamento, mas que à facilidade da elocução.
Quanto ao conteúdo dessas dez cartas, que tão singularmente deveriam sobreviver como uma espécie de mensagem, solicitada por Kappus, mas útil a tantos destinos, conviria chamar a atenção do leitor para algunas dos seus pontos mais importantes.
Inicialmente, é curioso notar - qualquer que tenha sido o destino de Kappus nas letras - o efeito que sôbre o jovem poeta produziram os primeiros poemas de Rilke, muito jovem também, naquele tempo. Essa é uma das mais autênticas consagrações da poesia, no que ela possui de tradicionalmente mágico, de originalmente divino. O Rilke dessas cartas é como um intermediário de mistérios, uma espécie de oráculo, que se consulta e em quem se crê.
Talvez, na verdade - e isso já vem a seguir - Kappus não lhe tenha inspirado, com seus inscritos, uma veemente esperança. Mas rilke não iria colocalr, à maneira dos críticos, uma nuvem sôbre os seus sonhos de fazer e sentir Poesia.De mil modos delicados, porém, lhe iria indicando as mil condições favoráveis para se aproximar do sonho, para chegar à sua margem, ao menos - uma vez que nem sempre a travessia é permitida. O que entre essas mil indicações diversas ficasse em silêncio, e mais obscuro, palpitando, aí estaria, verdadeiramente, o seu discreto, cálido, religioso conselho. Não ignorava o que é necessitar de alguém aquêle que , pela mesma época, escrevia a Auguste Rodin pedindo-lhe, por sua vez, conselhos sôbre o segrêdo de viver e de criar.
Do exemplo que recebe, do consôlo que para si extrai, pairando em redor do grande escultor como um pássaro em tôrno de uma rocha, vai tecendo essas cartas que são como a sua própria experiência purificada e revelada.
Por isso, as respostas de Rilke não oferecem a Kappus uma receita literária, embora digam coisas essenciais sôbre o exercício da literatura. Vão mais longe: tratam da formação humana, base de tôda criação artística.
De literatura, pròpriamente, pouco falam as cartas. Podem ser resumidos os conselhos do poeta em algumas linhas: escrever só por absoluta necessidade, evitar temas sentimentais e formas comuns, escolher as sugestões oferecidas pelo ambiente, a imaginação e a memória, não dar importância aos críticos, não ler tratados de estilo.
O resto é muito mais importante, uma vez que a parte formal da arte acaba sempre por se realizar, quando atrás dela há uma imposição total de vida transbordante. Por isso, aplica-se a valorizar aos olhos do jovem Kappus, a necessidade de um mundo interior; de uma clarividência; de um gôsto da solidão, constante e inteligente; de uma visão diversa do amor; de uma ternura pela natureza e pelos mínimos aspectos das coisas; de uma paciência interminável; de uma aceitação leal de tôdas as dificuldades; de uma fidelidade à infância; de uma expectativa de Deus; de uma compreensão mas humana da mulher; de uma disciplica poética humilde e vagarosa. Mas sobretudo a solidão assume, nessas cartas, um caráter  de heroísmo e de magnificência, - a ponto de poder dizer que o homem solitário pode preparar muitas coisas futuras porque as suas mãos erram menos.'' 

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Cartas A Um Jovem Poeta - Parte I - Vamos compartilhar arte!

Olá, como vão vocês? Então...O último post foi há aproximadamente duas semanas, o que significa que faz um tempo que não apareço por aqui. Esse tempo me fez pensar muito, inclusive sobre o que conversar com vocês agora. Mas antes, gostaria de esclarecer pontos essenciais, através dos quais, cheguei ao assunto de que começaremos a tratar hoje e que se estenderá por algum tempo. Em primeiro lugar, eu não costumo reproduzir obras de outros autores, prezo pela originalidade de cada um o máximo que posso. Além disso, dependendo da obra, tal reprodução torna-se um tanto penosa e cansativa ao leitor  pois  gera desinteresse, uma vez que este pode não encontrar nada novo aos seus olhos. Por isso, creio que a descoberta de um bom livro, uma boa música,  (resumindo, da arte) é mais prazerosa quando feita a sós, frente a frente e sem nenhuma forma de interferência ou opinião alheia, ponto.
Então o que me convenceu a reproduzir a obra?
Ontem eu estava na sala de aula  lendo um livro chamado "Cartas A Um Jovem Poeta" de Rainer Maria Rilke, cuja  impressão data  de 1966 e foi publicada pela Editora Globo, de Porto Alegre, sob tradução do Sr. Paulo Rónai. Nesse ano, o livro já estava em sua 5ª impressão. A primeira foi publicada em Junho 1953, se não me engano. O exemplar que tenho em minhas mãos agora (de 1966), é composto por dois "livros" : "Cartas A Um Jovem Poeta" (que é o que nos interessa, por hora) e "A Canção de Amor e Morte do Porta-Estandarte Cristóvão Rilke, ambos do mesmo autor. Encontrei-o  na biblioteca da escola, o que foi uma sorte imensa. Enfim... Eu estava lendo e foi quando o meu professor de Literatura entrou na sala, chegou perto de mim, olhou o livro e disse: "Rapaz, isso é bom, muito bom." A partir desse momento, ficamos um tempo conversando sobre isso e, ao final, ele me disse: "Divirta-se!". Voltei, então, a ler o livro e fui interrompido pelo sinal do final da aula. Saí para o intervalo, voltei e continue a ler. Dessa vez, quem entrou na sala, foi o professor de Sociologia. Enquanto ele distribuía os textos que trabalharíamos naquela aula, ele se aproximou de mim, olhou o livro, abriu um sorriso e comentou: "Ser ou não ser poeta? Faça essa pergunta a si mesmo na calada da noite, aceite a resposta que lhe for dada e construa sua vida de acordo com esta necessidade." Pronto, foi o bastante para que eu pudesse perceber que eu deveria, de alguma forma, deixar de ser egoísta e compartilhar essa história com vocês.
Do que se trata, afinal?
Partindo de uma análise muito superficial, o livro é constituído por dez cartas escritas por Rainer Maria Rilke ao jovem Franz Xaver Kappus. Em um primeiro momento, escolhi algumas cartas ou trechos delas para apresentar aqui. Em uma segunda oportunidade, percebi que todas deveriam ser apresentadas, pois trabalham com o que há de mais puro no mundo, a vida. E esta não pode ser recortada e muito menos fragmentada.
Começaremos, então, na próxima postagem (já que essa ganhou mais espaço que eu esperava), pelo prefácio escrito por ninguém mais, ninguém menos que Cecília Meireles.

domingo, 22 de agosto de 2010

Hoje é dia!

Hoje é dia de abrir um livro
E de recolher-se ao encanto das palavras.
Esquecer que o tempo é medido em horas precisas
E a vida, muitas vezes, em escolhas  insensatas.

Por isso, hoje é dia de entregar-se ao vento.
Escutar atentamente seus sussurros,
Seus pedidos, seus lamentos.
Deixar com que ele nos guie à paz que exala de dentro.

Finalmente, hoje é dia de tocar no mais puro sentimento
E notar o quão virtuoso é aquele que o faz.
Não pela perfeição contida em seu pensamento
Mas por sua certeza de estar em paz.

Eu quero tempo e amor
Um pouco de vinho, sabor.
E ao final do dia, ergueremos todas essas taças.
Com a certeza de que fizemos o melhor
Pra que a vida fosse, aos nossos olhos,
A maior das divinas graças.

terça-feira, 17 de agosto de 2010

Frio, provas e mensagens não-respondidas

12 graus, boa noite. Então... Tá frio, MUITO frio. E aqui  o frio é sob céu aberto, então parece que o Sol simplesmente perdeu a capacidade de aquecer algo. Aliás, isso deve ser totamente frustrante para os mais românticos, não ter Sol aquecendo nada. Enfim... O banho hoje foi gelado...E penoso. Eu geralmente gosto do frio, mas ultimamente ele tem se tornado desagradável e inapropriado (realmente, tomar banho nesse lugar não é tarefa fácil como aí na sua casa, caro leitor -Luís-). Então, esse é o problema de se viver em internato e em um alojamento: de vez em sempre aparece alguém, vê seu notebook aberto e toma a liberdade de usar. Outro problema dessa convivência é que daqui a 57 minutos vão apagar as luzes e eu tenho que terminar de postar. Com as luzes apagadas, ou você dorme...Ou você dorme. E com frio, ainda por cima.
Pior do que sentir frio, é você sentir frio e fazer prova. É como se você tivesse que escolher entre um dos dois: Ser reprovado ou ter hipotermia. Falando nisso, as minhas terminaram hoje, mas não lembro de ter tido hipotermia em nenhum dos dias...O que me deixa preocupado.  43 minutos... Quanto as provas continuo com a teoria de que elas não provam nada, na verdade. É muito simples: trata-se de uma análise que você deve fazer na manhã seguinte a prova do que você lembra da matéria... Cri...Cri... É o que você vai provalmente escutar na sua cabeça. O que pode ser muito bem traduzido como: conhecimento zero. Mas como ainda não encontraram nenhuma outra forma de analisar a idiotice presente no ato de um ser humano ficar horas gravando conceitos e fórmulas o "conhecimento", essa vai continuando. Todo esse conformismo me incomoda....
Só não me incomoda mais que mensagens não-respondidas. Essas batem recorde...Você está no auge da conversa com alguém quando simplesmente tudo para. Entendam, por favor, que essa quebra, para nós (tímidos e antissociais), é algo extremamente irritante. Não só pelo fato de que teremos que pensar por mais uma hora como vamos puxar assunto novamente, mas também pelo fato de que essa retomada de assunto nunca dá certo...E a mensagem não é respondida de novo. No final, você descobre que sua mensagem não foi respondida porque o celular da pessoa estava sem bateria.
O que me faz pensar no porquê de não terem inventado ainda um celular que funcione através da luz solar.
Mas acho que não ia adiantar muito pra mim, o Sol não aquece nada por aqui mesmo.

sábado, 14 de agosto de 2010

Da criação do blog, do amor e sobre comemorações.

Então, provavelmente alguns de vocês que leem aqui (não se iluda, você é o único que perde tempo lendo isso) não sabem quem eu sou. O que não faz muita diferença, porque também não sei quem vocês são...Enfim, me parece justo. A criação do blog tem apenas o intuito de fazer com que vocês reflitam sobre as merdas que eu, você e a humanidade inteira estamos fazendo. Tá, ainda não acredito que deixei de comer minha pizza pra escrever isso. Continuando... Ainda que de forma descontraída espero que vocês tenham, ao final de cada postagem, uma reflexão a ser feita. De início, não espero muita coisa...Um "Nossa, o blog é horrível" já é uma boa reflexão. Com o tempo, eu sei que vai piorar.
Decidi, depois de muita resistência, falar sobre amor. No momento em que me encontro, saibam, de antemão, que é uma decisão trágica. Então não me responsabilizo por danos causados a você. Vamos começar pela parte que você está em casa, suspirando por aquela pessoa que nem lembra de você...Tá, parou. Isso não é amor. Isso é estar embasbacado(a), mas não se ofenda, todos passam por isso (todos menos eu, claro). O amor não depende só de uma pessoa, é questão de reciprocidade. Então, você que acha que ama alguém e que anda por aí dizendo que vai morrer de amor porque essa pessoa não te quer, fique tranquilo: Você não vai, eu não tenho essa sorte. Aliás, o mundo não tem essa sorte. Parem de tornar o amor algo tão banal, ele não é.
Enfim...Completar 25 anos de casado é uma façanha, ainda mais com dois filhos. Eu estou falando de meus pais, é claro. O fato é: há aproximadamente duas semanas, meus pais fizeram 25 anos de casado e só conseguimos "comemorar" hoje. O que me faz lembrar de outra façanha dos humanos: a de nunca conseguir comemorar as datas  no dia certo. Pode contar nos dedos as vezes que seu aniversário não foi adiado para o sábado mais próximo por ser mais conveniente. A grande questão é: Se aquele dia é especial, por que diabos insistem em comemorar em outro? Não interessa se a sua tia-avó ou se o cachorro da sua vizinha não vai poder ir a sua comemoração, o dia é especial para VOCÊ. Depois de tornar pública minha insatisfação com datas comemorativas em dias não-comemorativos, não posso parabenizar meus pais pelo dia de hoje, embora a vontade seja grande. Vai contra meus princípios. Espero que você reflita sobre isso... E mais aquilo ali em cima, e mais aquilo-outro mais lá em cima.
Droga, a pizza esfriou.

Créditos pelos conselhos amorosos: Sylvia Machado. Nice, hum?

A política do "Hoje-não-dá"

Não, agora não. Me sinto cansado demais pra explicar, hoje não dá.