sábado, 11 de setembro de 2010

Cartas A Um Jovem Poeta - Parte III - Introdução

   Era pelo fim do outono de 1902. Sentado sob os antiqüíssimos castanheiros do parque da academia militar de Wiener-Neustadt  eu lia um livro. Tão absorto estava pela leitura que mal percebi quando o único civil dos nossos professôres, o erudito e bom capelão Horacek, se pôs ao meu lado. Tomou-me o volume das mãos, examinou-lhe a capa e sacudiu a cabeça. "Poesias de Rainer Maria Rilke?" - perguntou pensativo. Folheou o livro, percorreu alguns versos e depois deixou vaguear os olhos ao longe para finalmente dizer-me acenando com a cabeça. "Então o aluno René Rilke tornou-se mesmo poeta?"
   E pôs-se a falar-me no pálido e magro rapaz que os pais tinham matriculado havia mais de quinze anos no curso inferior do colégio militar de Sainkt-Polten para fazerem dêle um oficial. Horacek, naquela altura capelão dêsse estabelecimento, lembrava-se bem do ex-aluno. Descreveu-mo como um jovem calado, prendado e sério que gostava de apartar-se  dos outros e suportava com paciência o constrangimento da vida do internato. Depois do quarto ano, passou com os colegas para o curso superior, que funcionava em Märisch-Weiszkirchen. Ali ficou evidenciado, naturalmente, faltar-lhe a necessária  resistência física. Por êsse motivo, os pais retiraram-no do colégio, fazendo-o estudar perto dêles, em Praga. Acêrca do rumo da vida exterior do poeta, depois disso, Horacek nada mais soube informar-me.
   Compreender-se-á fàcilmente que na mesma hora resolvesse endereçar a Rainer Maria Rilke minhas tentativas poéticas pedindo-lhe um julgamento. Com menos de vinte anos, no limiar de uma carreira que me parecia exatamente oposta aos meus pendores, esperava encontrar compreensão, caso devesse encontrá-la em alguma parte, no poeta de
Mir zu Feier. E sem que eu o quisesse, vim a fazer uma carta para acompanhar meus poemas e na qual me manifestei com tão pouca reserva como nunca antes ou depois a qualquer outro homem.
   Passaram muitas semanas antes que a resposta chegasse. A carta, lacrada de azul, ostentava o carimbo de Paris, era pesada e exibia no envelope os mesmo traços claros, belos e seguros em que estava vazado o próprio texto, da primeira à última linha. Foi assim que começou a minha correspondência regular com Rainer Maria Rilke. Ela durou até 1908 e foi-se espaçando aos poucos, por me ter a vida empurrado para regiões de onde a calorosa, terna e comovente solicitude do poeta me quisera precisamente afastar.
   Mas isto pouco importa. Importam apenas as dez cartas que se seguem, para conhecimento do mundo em que vivia e agia Rainer Maria Rilke. Elas têm a sua importância para muitos adolescentes de hoje e de amanhã. Quando fala um dos grandes que só uma vez aparecem, os pequenos devem calar-se.

Berlim, junho de 1929.
                                       Franz Xaver Kappus.
   

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