terça-feira, 7 de setembro de 2010

Cartas A Um Jovem Poeta - Parte II - Prefácio

"Não sei se vai tentar a tarefa quase impossível de falar de Rainer Maria Rilke na brevidade desta apresentação de duas de suas obras, talvez as mais fáceis de traduzir e de explicar, por se comporem, a primeira, da série de dez cartas que redigiu, entre 1903 e 1908 ao jovem poeta Franz Xaver Kappus, e, a segunda, do poema "A Canção de Amor e Morte do Porta-Estandarte Cristóvão Rilke", que, por muito que nos traga de sonho, como tôda a obra do poeta, é, no entanto, das suas páginas  mais objetivas, e construído sôbre a realidade de um documento que lhe serve de prólogo.
Êste prefácio visaria especialmente falar da primeira das traduções, de que se ocupou o Sr. Paulo Rónai, poliglota e erudito já incorporado  às letras brasileiras, e que verteu para nosso idioma com a exatidão possível - considerando-se o que há de intencional na linguagem de Rilke - essas cartas tão ricas de outra substância, além do simples conselho literário. Se alguma vez se sente, na tradução, certa obscuridade, ela é como a do original: por estarem as palavras obedecendo à fidelidade do pensamento, mas que à facilidade da elocução.
Quanto ao conteúdo dessas dez cartas, que tão singularmente deveriam sobreviver como uma espécie de mensagem, solicitada por Kappus, mas útil a tantos destinos, conviria chamar a atenção do leitor para algunas dos seus pontos mais importantes.
Inicialmente, é curioso notar - qualquer que tenha sido o destino de Kappus nas letras - o efeito que sôbre o jovem poeta produziram os primeiros poemas de Rilke, muito jovem também, naquele tempo. Essa é uma das mais autênticas consagrações da poesia, no que ela possui de tradicionalmente mágico, de originalmente divino. O Rilke dessas cartas é como um intermediário de mistérios, uma espécie de oráculo, que se consulta e em quem se crê.
Talvez, na verdade - e isso já vem a seguir - Kappus não lhe tenha inspirado, com seus inscritos, uma veemente esperança. Mas rilke não iria colocalr, à maneira dos críticos, uma nuvem sôbre os seus sonhos de fazer e sentir Poesia.De mil modos delicados, porém, lhe iria indicando as mil condições favoráveis para se aproximar do sonho, para chegar à sua margem, ao menos - uma vez que nem sempre a travessia é permitida. O que entre essas mil indicações diversas ficasse em silêncio, e mais obscuro, palpitando, aí estaria, verdadeiramente, o seu discreto, cálido, religioso conselho. Não ignorava o que é necessitar de alguém aquêle que , pela mesma época, escrevia a Auguste Rodin pedindo-lhe, por sua vez, conselhos sôbre o segrêdo de viver e de criar.
Do exemplo que recebe, do consôlo que para si extrai, pairando em redor do grande escultor como um pássaro em tôrno de uma rocha, vai tecendo essas cartas que são como a sua própria experiência purificada e revelada.
Por isso, as respostas de Rilke não oferecem a Kappus uma receita literária, embora digam coisas essenciais sôbre o exercício da literatura. Vão mais longe: tratam da formação humana, base de tôda criação artística.
De literatura, pròpriamente, pouco falam as cartas. Podem ser resumidos os conselhos do poeta em algumas linhas: escrever só por absoluta necessidade, evitar temas sentimentais e formas comuns, escolher as sugestões oferecidas pelo ambiente, a imaginação e a memória, não dar importância aos críticos, não ler tratados de estilo.
O resto é muito mais importante, uma vez que a parte formal da arte acaba sempre por se realizar, quando atrás dela há uma imposição total de vida transbordante. Por isso, aplica-se a valorizar aos olhos do jovem Kappus, a necessidade de um mundo interior; de uma clarividência; de um gôsto da solidão, constante e inteligente; de uma visão diversa do amor; de uma ternura pela natureza e pelos mínimos aspectos das coisas; de uma paciência interminável; de uma aceitação leal de tôdas as dificuldades; de uma fidelidade à infância; de uma expectativa de Deus; de uma compreensão mas humana da mulher; de uma disciplica poética humilde e vagarosa. Mas sobretudo a solidão assume, nessas cartas, um caráter  de heroísmo e de magnificência, - a ponto de poder dizer que o homem solitário pode preparar muitas coisas futuras porque as suas mãos erram menos.'' 

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