sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Odisséia - Parte II

Existe um lenço que protege
O rosto do pistoleiro da poeira do chão da estrada.
Só lhe restam os olhos.
Fixos, estonteantes,
No horizonte distante.

E por todos os lugares que já esteve,
Por todos os amores que já teve,
Sabe que não deve distinguir a vida e a morte,
É quase um pecado separá-las, distanciá-las;
São um só.

É bem verdade que os olhos nos traem, às vezes.
Manipulam, dissimulam,
Nos fazem acreditar que estamos enxergando,
Quando não vemos nem um palmo à frente!

Mas ele sabe, oh, ele sabe:
É necessário que o nosso olhar tenha a sensibilidade
Do arrepiar de um primeiro toque dos dedos na pele,
Do sussurrar ao ouvido,
Da brisa fresca que sopra ao entardecer.

Ele, que por tanto tempo foi forte só,
Descobriu, finalmente,
Que é melhor ser fraco com alguém ao seu lado.
E o lenço foi ao chão,
Confundir-se com a poeira dos anos.

sábado, 30 de julho de 2011

Doentio

Eu te vi chorar essa noite:
Quis acolher-te em meus braços,
Calar tua boca com minha,
Fazer o sofrimento ir embora.

Mas nossas mãos tão frágeis
Não podem tocar a agonia
Com que a própria alma se devora,
E, desesperadamente, quer cuspir o mal corpo a fora.

E assim, adoecemos cada vez mais, até o limite,
Suportando a dor com bravura,
E, de repente, sem esperar,
A doença se torna a cura.

Por isso não se entristeça, meu amor.
Por tudo o que já passamos,
Já era hora de chorar,
Curar a dor da alma, se renovar.

Chore por apenas por um momento,
Um simples momento que parece frágil,
Perdido na imensão de toda uma vida,
E ele determinará tudo que virá adiante.

domingo, 29 de maio de 2011

Por detrás dos óculos

Chego todos os dias, passo pelo labirinto de cabines, recolho papéis e sento em minha mesa, onde começo minha própria odisséia matinal. Uma caneca de café já me espera ao lado do monitor e sob ela um papel, que deveria ser uma anotação, uma informação, um bilhete, um lembrete, uma oração; sei lá, a água do fundo da caneca apagou o que estava escrito. E, sinceramente, já nem ligo mais. Acerto os óculos e começo: fichas, reclamações, inquéritos, formulários... Antes tivessem molhado o computador em vez de o bilhete, minha nossa! Pausa. Olho por cimas dos óculos. A Cláudia, pinta as unhas em vez de trabalhar, um clichê de qualquer repartição por aí; o Robson só come, será que ele não vê o quão gordo está ficando? Vai precisar de uma cabine maior assim; a Júlia no telefone, mas só porque não está reclamando com a Cláudia do namorado, você se supreenderia com a insatisfação dela, ocupa uma semana de falatório, de fofoca, aquela voz fina me dá nos nervos. E eu estou velho, esqueço-me das coisas com facilidade... Minha mulher me liga. Pergunta se não posso sair mais cedo, quer fazer algo diferente. "Meu horário é apertado, estou cheio de trabalho". "Temos que planejar nossa viagem". "Eu sei". Ela desliga. Aparentemente desapontada, eu entendo. Ainda me pergunto por que trabalho tanto, olhe essas pessoas ao meu redor! Largo tudo de mão, nada mais faz sentido, acabou. Ou melhor, começou: temos a tarde inteira ainda, um sopro de liberdade.

sábado, 16 de abril de 2011

O jardim

E um dia Deus visitou-me e disse assim:
Serás como um jardim.
Demasiadamente não regarei,
Mas também não deixarei secar.
E, quando maduro, florescerá
E verá que, infelizmente, nem todas as flores são rosas.

quinta-feira, 7 de abril de 2011

Infância

Passando despercebido por uma rua desconhecida,
Vi um grupo de crianças que brincava sob a luz fraca dos postes.
E alegravam-se com as poucas coisas que tinham,
E com as amizades forjadas a cada sorriso.

E eu me perguntava se sabiam o quanto a vida delas mudaria.
Se sabiam o quanto descobririam sobre o mundo e sobre si mesmas,
Sobre o que realmente representam, sobre o que são, sua essência.
Se mergulhariam profundamente em si mesmas e descobririam a vida.

Me perguntava, até, se chegariam a descobrir tudo isso.
Em uma oração silenciosa, pedi que sim.
Porque algumas não têm a chance de descobrir-se.
É uma realidade à qual eu gostaria de manter os olhos fechados.

Em memória daqueles que morreram no dia de hoje.

Barbacena, 07/04/2011

quarta-feira, 9 de março de 2011

Aquele Velho Navio

Tomei um navio rumo ao Velho Mundo,
Embriaguei-me em tempestades.
Enquanto, à sombra da maldade,
As ondas do mar traziam sua voz
De um oceano distante, profundo.

Grita!
E com unhas roídas rasga a própria pele.
Sangra por dentro quando houve aquelas histórias.
Porque não sabe por onde foi aquele
Que te roubou todo ouro, mérito e glórias.

Com o tempo eles esquecem,
Com o tempo são esquecidos.
E adormecem tranquilamente no oceano profundo.
Esperando o despertar
Que, à superfície, de volta os trará.

E você estava entre eles.
Seus olhos vidrados penetraram em mim.
Não acreditavam no que viam refletidos nos meus.
Desesperados, seus lábios tocaram meu rosto.
Imploravam que fosse mentira, triste desgosto.

Naufraguei.

Perdi-me em devaneios.
Absorto, estremeci.
Senti-me sujo, indigno.
Uma alma doentia perdida
Em uma praia vazia.

Com o passar do tempo,
Fui aprendendo a estar naquele lugar.
Onde nem vivo, nem as ondas vem me buscar.
Ainda sim, voltava todos os dias,
Esperando te encontrar lá.

Eu sei que dizem que são apenas
Rostos na superfície do mar,
Todos mortos.
Mas a dança da morte,
A dança da morte é infinita.

Agradecimentos: aos amigos Gabriel Lazzari e Marcus Vieira, que contribuíram, ainda que sem saber, com idéias e até mesmo versos prontos. Sem os quais a poesia nunca teria atingido a dimensão que atingiu dentro de mim mesmo. E a você, meu amor, sempre a você.

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Oh, shit

Eu não sei como vai ser o amanhã.
E teria medo de dizer, se soubesse.
Diga e então será real.
Diga e então será exatamente do jeito que você disse.
Quando se fala muita "merda"  é preciso ter cuidado.