sábado, 23 de outubro de 2010

Cartas A Um Jovem Poeta - Nona Carta

Furuborg, Jonsered, Suécia,
4 de novembro de 1904.

   Meu caro Sr. Kappus,

   Nesse período, que se passou sem uma carta, eu estava em parte viajando, em parte tão ocupado que não me foi possível escrever. Ainda hoje me é difícil fazê-lo, pois tive de escrever tantas cartas que já tenho as mãos cansadas. Se o pudesse ditar, dir-lhe-ia muita coisa; não o podendo, peço-lhe que aceita estas poucas palavras em resposta à sua longa carta.
   Penso freqüentemente no senhor e com tão concentrados votos que isso, finalmente, deveria ajudá-lo de uma maneira ou de outra. Duvido muitas vêzes que minhas cartas possam ser realmente um auxílio. Não me diga que o são. Aceite-as tranqüilamente, sem agradecimentos: deixe-nos aguardar o que vier.
   Talvez de nada sirva que eu analise uma por uma as suas palavras agora. O que poderia dizer acêrca de seu pendor para a dúvida ou de sua incapacidade de harmonizar a vida externa e a interna, ou tudo aquilo que o oprime ainda, seria sempre a repetição do que já disse: desejo que encontre bastante paciência em si para suportar e bastante simplicidade para crer; que confie cada vez mais no que é difícil, entre outras coisas na sua solidão. No restante, deixe a vida acontecer. Acredite-me: a vida tem razão em todos os casos.
   Quanto aos sentimentos: são puros todos aquêles que o senhor concentra e guarda; impuros os que agarram só um lado de seu ser e o deformam. Tudo o que pode pensar a respeito de sua infância é bom. Tudo o que o torna algo mais do que foi até agora em suas melhores horas é bom. Tôda intensificação é boa, quando está em todo  o seu sangue, quando não é turva ebriedade, mas alegria cujo fundo se vê. Compreende o que quero dizer?
   Sua dúvida pode tornar-se uma qualidade se o senhor a educar. Deve-se transformar em saber, em crítica. Cada vez que ela lhe quiser estragar uma coisa, pergunte-lhe por que aquilo é feio, Peça-lhe provas, examine-a; talvez a ache indecisa e embaraçada, talvez revoltada. Mas não ceda, exija argumentos. Ponha-se a agir assim, atenta e conseqüentemente, cada vez e dia virá em que, de destruidora, ela se tornará sua melhor colaboradora, talvez a mais sábia de quantas cooperam na construção de sua vida.
   Eis tudo o que lhe posso dizer hoje, caro Sr. Kappus. Mando-lhe, porém, ao mesmo tempo, uma separata com uma pequena poesia publicada agora no Deutsche Arbeit  de Praga. Aí continuo a falar-lhe da vida e da morte, a dizer-lhe que ambas são grandes e esplêndidas.

                                                                                                Seu
                                                                                  Rainer Maria Rilke

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